Fonte: Carina Bruno e Juliana Franceschi, advogadas das áreas de direito digital e Roberta Benito Dias, sócia da área de contencioso cível
A pandemia da COVID-19 impulsionou a concretização da inovação trazida no Código de Processo Civil de 2015, que em seus art. 236, §3º, 334, §7º, 385 §3º e 453, §1º dentre outros, possibilita a realização de audiências (de conciliação, mediação ou de instrução e julgamento) por meio eletrônico, ou seja, por mecanismo de transmissão de sons e imagem em tempo real.
Essa ferramenta, que até então não era utilizada com frequência para processos cíveis, já era regulada pela Resolução CNJ nº 105, de 06/04/2010, para os processos criminais, especialmente para o interrogatório de testemunhas.
Em tempos de pandemia da COVID-19, em que o risco de contágio impossibilitou a realização de atos processuais presenciais, o CNJ, por meio da Portaria nº 61 de 31/03/2020, instituiu a “Plataforma Emergencial de Videoconferência para Atos Processuais”, que possibilita a realização de audiências e sessões de julgamento virtuais, no procedimento comum e especial, durante o período de isolamento social.
Essa plataforma digital é de uso facultativo pelos tribunais, não excluindo outras ferramentas de transmissão de sons e imagens, e pode ser utilizada por todos os segmentos do Poder Judiciário, mediante cadastramento prévio.
Para tanto, os juízos de primeiro grau, órgãos julgadores colegiados e gabinetes devem preencher um formulário eletrônico disponibilizado no site do CNJ, e as partes e demais participantes, por sua vez, precisarão apenas acessar o link, no dia e hora designados, a ser encaminhado por e-mail ou aplicativo de mensagem.
No tocante especificamente aos Juizados Especiais, além da Portaria do CNJ, foi aprovada e sancionada a Lei nº 13.994, de 24/04/2020, que alterou os artigos 22 e 23 da Lei nº 9.099/95, para possibilitar a realização de audiências de conciliação não presenciais no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis.
De acordo com a nova redação do § 2º, artigo 22, da Lei 9.099/95, os juizados especiais podem realizar as audiências mediante o uso de recursos tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real, sendo que o resultado da tentativa de conciliação deve ser reduzido a escrito. O artigo 23, por sua vez, prevê que o juiz proferirá sentença em caso de recusa ou ausência do demandado na audiência virtual, ou seja, a ausência à audiência virtual de conciliação, assim como a ausência à audiência presencial, trará evidente prejuízo ao direito de defesa do réu, que não tendo apresentado defesa, também não poderá produzir provas.
Deve-se observar que, assim como a Portaria nº 61 do CNJ, o texto da lei não impõe a obrigatoriedade do uso de uma ferramenta específica de transmissão de sons e imagens, possibilitando que cada juiz e tribunal escolha aquela que melhor se adeque aos recursos acessíveis às partes e ao próprio juízo.
O Tribunal de Justiça do Paraná, por exemplo, instituiu a Portaria nº 3.605/2020, por meio da qual autorizou a realização de sessões virtuais de conciliação nos Juizados Especiais do Estado através de ferramentas virtuais de comunicação, tais como aplicativos de mensagem instantânea, e-mail e chat que permitam interação em grupo, por texto ou vídeo, ou através do fórum de conciliação virtual.
Conforme disposto na Portaria, o conciliador contatará as partes, através dos advogados constituídos, ou, caso não seja representada por patrono, pessoalmente, para questionar acerca do interesse na sessão conciliação. Havendo concordância das partes, será indicada a data e a hora da realização do ato, além do meio que será utilizado.
As partes que não concordarem com a realização de audiência virtual, ou estiverem impossibilitadas de realizá-la, deverão aguardar a intimação para uma audiência presencial.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua vez, emitiu o Comunicado CG Nº 284/2020 e o Provimento CSM 2554/2020, elegendo a ferramenta Microsoft Teams como meio a ser utilizado nas audiências virtuais, tanto no âmbito dos juizados especiais como nos procedimentos ordinários.
O Provimento CSM 2554/2020, no art. 2º, § 4º, previa inicialmente a realização de audiências virtuais mediante prévia concordância das partes. Posteriormente, o Provimento CSM 2557/2020, remetendo-se à regra do art. 6º, §3º, da Resolução CNJ 314/2020, alterou a redação daquele dispositivo para suprimir a necessidade de concordância das partes, condicionando-a apenas à “possibilidade de intimação e participação das partes e testemunhas no ato”.
Evidentemente, a falta de acesso à internet ou a impossibilidade de intimação ou comparecimento das partes ou das testemunhas, por qualquer outro motivo, desde que devidamente justificado, constitui obstáculo intransponível à realização da audiência virtual, que neste caso não poderá ser designada, ressalvada a possibilidade de ser cindida a audiência com a concordância das partes, na forma do art. 365 do CPC.
Poderá haver, no entanto, casos em que as partes julguem inadequada a realização da audiência virtual, seja por falta de familiaridade das próprias partes ou de suas testemunhas com a tecnologia e o ambiente virtual, seja por dificuldade de comunicação prévia entre as partes e seus patronos, ou por qualquer outro motivo que coloque em risco o pleno exercício do direito de defesa.
Em casos tais, havendo consenso entre as partes e desde que se trate de litígio sobre direitos que admitam a autocomposição, recomenda-se a realização de um negócio jurídico processual em se estipule que a realização da audiência por meio presencial assim que superadas as restrições de circulação impostas pela pandemia, o que encontra fundamento no artigo 190 do Código de Processo Civil.