Fonte: Por Ana Luisa Bertho Barbosa e Stéphanie Ghidini Lalier, advogadas associadas da área de entretenimento
No último dia 30.06, foi publicada a Lei 14.017 de 2020, que dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural, a serem adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020. Em síntese, a Lei traz fontes de financiamento para profissionais e organizações culturais, que estão sendo fortemente prejudicados pela pandemia da Covid-19.
Nos termos da Lei, a União entregará R$ 3 bilhões aos Estados, Municípios e ao Distrito Federal, que deverão aplicar os recursos na renda emergencial para os trabalhadores do setor[1], em subsídios mensais para manutenção dos espaços culturais[2] e em outros instrumentos, como editais, chamadas públicas e prêmios. O texto inicial previa um prazo de 15 dias para repasse dos recursos pelo governo federal, o que, contudo, foi vetado pelo Presidente da República, restando estabelecido que a forma e o prazo do repasse deverão ser estipulados por regulamento.
Os recursos serão executados de forma descentralizada, mediante transferências da União aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal, preferencialmente por meio dos fundos estaduais, municipais e distritais de cultura ou, quando não houver, de outros órgãos ou entidades responsáveis pela sua gestão. Os valores serão repassados da seguinte forma: (i) 50% aos Estados e ao Distrito Federal, dos quais 20% de acordo com os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) e 80% proporcionalmente à população; (ii) 50% aos Municípios e ao Distrito Federal, dos quais 20% de acordo com os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e 80% proporcionalmente à população.
O texto ainda prevê o pagamento de auxilio emergencial mensal de R$ 600,00 (seiscentos reais), em três parcelas, aos trabalhadores do setor. O auxílio poderá ser prorrogado pelo mesmo prazo do auxílio emergencial do governo federal aos informais, previsto no art. 2º da Lei nº 13.982/2020. Para receber a renda emergencial, os trabalhadores devem cumprir vários requisitos, tais como (i) limite de renda anual e mensal; (ii) comprovação de atuação no setor cultural nos últimos dois anos; (iii) ausência de emprego formal; (iv) não serem titulares de benefício previdenciário, assistencial, de seguro-desemprego ou de programa de transferência de renda federal, ressalvado o Programa Bolsa Família; (v) não serem beneficiários do auxílio emergencial previsto na Lei nº 13.982/20.
Em relação aos subsídios mensais, os governos poderão repassar entre R$ 3 mil e R$ 10 mil para manter espaços artísticos e culturais, micro e pequenas empresas culturais, cooperativas e instituições, e organizações culturais comunitárias que tiveram as suas atividades interrompidas em razão da pandemia.
Poderão receber esse subsídio aqueles inscritos (i) em cadastros estaduais, municipais ou distrital de cultura, (ii) em cadastros nacional ou estadual de pontos e pontões de cultura, (iii) no Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (Sniic), (iv) no Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (Sicab), ou (v) em outros cadastros referentes a atividades culturais existentes na unidade da Federação, bem como projetos culturais apoiados pelo Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) nos 24 meses anteriores contados da data de publicação da Lei.
É vedado o recebimento do auxílio por espaços criados pela administração pública ou a ela vinculados, bem como por espaços culturais atrelados a fundações, institutos ou instituições criados ou mantidos por grupos de empresas, a teatros e casas de espetáculos de diversões com financiamento exclusivo de grupos empresariais e a espaços geridos pelos serviços sociais do Sistema S[3].
Em contrapartida ao recebimento, há a obrigação de realizar, gratuitamente, uma atividade cultural por mês para alunos de escolas públicas ou em espaços públicos de sua comunidade, após o reinício das atividades.
Outra importante previsão é a de criação, por instituições financeiras, de linhas de crédito às pessoas físicas que comprovem serem trabalhadores ou trabalhadoras do setor cultural e às microempresas e empresas de pequeno porte, com objetivo de fomentar as atividades, possibilitar a aquisição de equipamentos e permitir a renegociação de dívidas.
A Lei prorroga por 1 (um) ano os prazos para aplicação dos recursos dos projetos culturais já aprovados pelo órgão ou entidade do Poder Executivo responsável pela área da cultura para realização de atividades culturais e para a respectiva prestação de contas.
Por fim, enquanto durar o estado de calamidade, a concessão de recursos no âmbito do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) e dos programas federais de apoio ao audiovisual, bem como as ações estabelecidas pelos demais programas e políticas federais para a cultura, deve priorizar o fomento de atividades culturais que possam ser transmitidas pela internet ou disponibilizados por meio de redes sociais e de plataformas digitais ou meios de comunicação não presenciais. Devem ser priorizados, ainda, os recursos de apoio e fomento que possam ser adiantados, mesmo que a realização das atividades culturais somente seja possível após o fim da vigência do estado de calamidade pública.
Trata-se de mais uma iniciativa, agora do Poder Legislativo, na busca de mitigar os impactos da pandemia da Covid-19 no setor cultural, cujas atividades estão totalmente paralisadas. Contudo, enquanto não for regulamentada e não houver um prazo estipulado para que o repasse seja realizado, a Lei será inócua.