Fonte: Carolina Arid Rosa Brandão | Folha de S. Paulo
A divulgação das notas dos alunos do ensino médio que prestaram a última prova do Enem surpreendeu a todos. Mais de 529 mil candidatos obtiveram nota zero em redação, que teve como tema a publicidade infantil no Brasil.
A iniciativa do Ministério da Educação, ao propor para debate dos estudantes um tema contemporâneo e polêmico, é merecedora de aplausos porque estimula a discussão sobre uma questão que vem sendo tratada com destaque nos mercados mais relevantes do mundo.
O baixo rendimento dos alunos, porém, pode ser explicado pela formulação do próprio enunciado da prova, que é confuso, com poucos subsídios e, ainda, com informações equivocadas.
Um exemplo de imprecisão na proposta do tema aos estudantes está na informação contida no mapa que orientava os alunos a respeito dos diferentes modelos de regramento da publicidade adotados por alguns países do mundo.
O mapa informava que no Brasil se pratica apenas o modelo de autorregulamentação do setor (“não há leis nacionais, o setor cria normas e faz acordos com o governo”), o que não é verdade. No Brasil vigora um sistema misto, que combina legislação e autorregulamentação. A Constituição Federal prevê restrições à publicidade de cigarro, de bebidas alcoólicas, de agrotóxicos e de medicamentos.
Além disso, como bem lembrou o Conar (Conselho de Autorregulamentação Publicitária) em ofício que encaminhou ao Ministério da Educação, há no país um semnúmero de leis ordinárias que, de algum modo, também exercem controle sobre a publicidade direcionada ao público infantil, como o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código de Defesa do Consumidor.
(Este último prevê pena de prisão àquele que incorrer na prática de publicidade abusiva.)
Outro ponto em que pecou o Ministério da Educação foi dar maior destaque à posição defendida por alguns setores de proibição total de qualquer propaganda dirigida ao público infantil, deixando de submeter ao crivo dos estudantes informações importantes para a formação do seu convencimento.
Faltou informar, por exemplo, as conclusões do recente estudo preparado pelo Conar e a Associação Brasileira de Anunciantes, intitulado “Publicidade e Criança: Comparativo Global da Legislação e da Autorregulamentação”.
A pesquisa atestou que as restrições à publicidade infantil vigentes hoje no Brasil são mais rigorosas do que as encontradas nos três países tidos por mais severos nesse controle: Reino Unido, Espanha e Suécia.
A prova acertou, apesar de tudo, ao mencionar a inconstitucionalidade da resolução nº 163 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). Essa resolução pretendia tornar abusiva, portanto, proibida, qualquer publicidade dirigida à criança.
A Constituição expressamente prevê a competência exclusiva do Congresso Nacional para legislar sobre publicidade e propaganda. Tendo em vista que o Conanda é um órgão administrativo vinculado à Secretaria Especial de Direitos Humanos, suas resoluções não têm a força normativa que alguns setores lhes quiseram emprestar.
CAROLINA ARID ROSA BRANDÃO, 34, advogada, é sócia do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian Advogados